Moradores da Praia do Forte, em Florianópolis, realizaram um protesto nesta quarta-feira (23) após a Justiça Federal manter a ordem de demolição de oito casas localizadas ao lado da Fortaleza de São José da Ponta Grossa, área tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A União dispensou qualquer tentativa de acordo e exigiu a desocupação dos imóveis em até 72 horas. A demolição está marcada para esta sexta-feira (25).
O impasse entre as famílias locais e o poder público se arrasta há mais de quatro décadas e voltou a se intensificar após um despacho do juiz substituto Charles Giacomini, que acolheu os argumentos da União. Segundo o magistrado, as construções sofreram ampliações irregulares ao longo dos anos, como instalação de decks, piscinas, pavimentações e retirada de vegetação, tudo isso sem autorização da SPU (Secretaria do Patrimônio da União) ou do Iphan.
Disputa judicial tem mais de 40 anos
A disputa pela posse da área começou oficialmente em 1991, quando a União moveu a primeira ação de reintegração. No entanto, segundo os moradores, seus antepassados chegaram ao local ainda no século XVIII. A medição da terra mais antiga da área remonta a 1834, conforme documentos apresentados pela Associação de Moradores da Praia do Forte.

Durante esse período, a União chegou a reconhecer a permanência das famílias, especialmente em 2010, quando a SPU emitiu parecer favorável aos moradores. No entanto, a entrada de um novo procurador do Ministério Público Federal mudou a postura jurídica, retomando os pedidos pela reintegração e posterior demolição.
Imóveis travaram obras no patrimônio histórico
Um dos principais argumentos do Iphan para a retirada das famílias é que os imóveis ocupam áreas estratégicas para intervenções na Fortaleza São José da Ponta Grossa, um dos principais patrimônios históricos da região Norte da Ilha. A obra, iniciada e concluída parcialmente em 2023, incluiu restauração da fortaleza, paisagismo e acessibilidade, mas foi prejudicada pela presença das casas.
A União também defende que os imóveis impedem o livre acesso público à praia, além de estarem em área ambientalmente protegida.
Tradição familiar é argumento central dos moradores
As famílias atingidas alegam que vivem ali há mais de 150 anos e que a permanência no local está documentada em registros públicos. O comerciante Ivânio Alves da Luz, 65 anos, afirma que administra um restaurante no local há mais de 45 anos, herança de gerações passadas.
“Somos filhos de pescadores, nascidos e criados aqui. Nossos pais, avós e bisavós viveram nessa comunidade. Isso é mais que uma casa, é nossa história”, desabafa Ivânio.
Ele vive com a esposa, Almeri, e relata que o fechamento do restaurante gerou um prejuízo de R$ 20 mil. “A dor passa, mas a ferida vai ficar para sempre”, lamenta.
Prejuízos emocionais e materiais
Outros moradores relatam impactos psicológicos e materiais. A irmã de Ivânio, Ione da Luz Gaia, 66 anos, retirou móveis com medo de perder tudo. “Nunca vi um cenário como esse, um verdadeiro campo de guerra. A nossa casa ficou depenada.”
A comerciante Neusa Alves da Luz, 57 anos, também retirou seus pertences e afirma estar há cinco dias sem dormir. Ela vive com o marido, três filhas e o neto de nove anos. “Nasci e me criei aqui. Não somos invasores, somos nativos”, destaca.
Justiça dispensa conciliação e reforça decisão
Segundo o juiz Giacomini, as ampliações feitas nas construções foram indevidas e comprometem tanto o valor histórico da fortaleza quanto a preservação ambiental da área. A Justiça dispensou qualquer nova audiência de conciliação, atendendo à posição da União.
Enquanto a data da demolição se aproxima, os moradores seguem protestando e apelando à sensibilidade das autoridades para que o desfecho leve em conta a ancestralidade, a história local e os vínculos humanos que atravessam gerações.
O que está em jogo na Praia do Forte
- Patrimônio histórico e cultural: área tombada da Fortaleza São José da Ponta Grossa.
- Preservação ambiental: imóveis em área protegida com modificações não autorizadas.
- Direitos de posse: moradores alegam habitação contínua desde o século XIX.
- Impacto social: desocupação de famílias nativas e fechamento de estabelecimentos.
- Decisão judicial: Justiça Federal determina desocupação e demolição imediata.
- Protestos locais: resistência da comunidade frente ao despejo iminente.