Na cidade de São José, uma experiência silenciosa e eficaz tem mudado o cotidiano escolar de dezenas de estudantes: os Círculos de Construção de Paz realizados no CEM Santa Terezinha. Sem fórmulas prontas nem discursos exaustivos, a proposta busca transformar a escuta em ponte para a empatia e a convivência respeitosa.
O projeto não foca no culpado, mas na responsabilidade coletiva e emocional dos envolvidos. Ao abrir espaço para que vítimas, colegas e educadores conversem sobre o que sentem, a iniciativa evita o ciclo da punição e permite que os conflitos escolares sejam tratados com humanidade.
Círculos de Paz como ferramenta contra o bullying
Ao menos uma vez por semana, alunos do ensino fundamental da unidade escolar se reúnem em rodas mediadas por educadores. Ali, relatos de agressões, exclusões ou simples mal-entendidos emergem com naturalidade. O objetivo não envolve apontar culpados, mas possibilitar que todos se reconheçam nos relatos do outro.

Luis Carlos da Silva Siqueira, orientador educacional responsável pela condução dos encontros, observa que a violência tende a diminuir quando os estudantes têm onde expressar suas dores. A escuta ativa, segundo ele, reduz os episódios de confronto e gera espaços mais saudáveis de aprendizado e convivência.
Dados reforçam urgência no combate à violência escolar
Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE/IBGE) evidenciam o problema: quase 1 em cada 4 estudantes entre 13 e 17 anos relatou ter sofrido bullying recentemente. Os números reforçam que essa violência não se restringe a um comportamento isolado, mas representa um padrão recorrente nas escolas brasileiras.
A pesquisa revela ainda que cerca de 12% dos alunos admitem serem os autores de ações ofensivas. A dualidade entre vítima e agressor indica um cenário complexo, no qual o diálogo proposto pelos Círculos de Paz se mostra uma ferramenta potente para romper ciclos de violência silenciosa.
Base legal fortalece ações educativas e preventivas
A Lei 13.185/2015 classifica o bullying como uma forma sistemática de intimidação, podendo ocorrer em escolas, clubes ou meios digitais. A legislação ganha ainda mais força com a atualização promovida pela Lei 14.811/2024, que transforma o bullying e o cyberbullying em crimes, sujeitos a reclusão em casos mais graves.
A política pública implementada em São José não nasce apenas de boa vontade, mas responde a um marco legal que valoriza ações pedagógicas e restaurativas. Em vez de recorrer exclusivamente a punições, o município investe na educação emocional como caminho para uma cultura de paz.
Inspirado por culturas ancestrais e apoio internacional
A metodologia aplicada nos Círculos de Construção de Paz não surge do acaso. Trata-se de uma prática inspirada em tradições indígenas do Canadá e em saberes das comunidades maoris da Nova Zelândia. No Brasil, começou a ser adaptada em 2005, dentro do projeto “Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro”, com apoio do PNUD.

Esse modelo privilegia o pertencimento e a responsabilidade coletiva. Diferentemente dos métodos convencionais de mediação, os Círculos promovem a horizontalidade entre os participantes, eliminando hierarquias e permitindo que todos falem e escutem em igualdade de condições.
Transformação prática no ambiente escolar
Educadores e gestores da rede municipal relatam mudanças visíveis. Em vez de repreender ou isolar, os professores encontram espaço para abordar temas sensíveis com profundidade e afeto. Entre os alunos, há sinais de que os comportamentos estão mudando: mais solidariedade, menos confrontos e maior capacidade de expressar emoções sem violência.
A secretária municipal de Educação, Cláudia Macário, reforça que os Círculos de Paz não são apenas uma metodologia, mas um compromisso político com a formação de um ambiente escolar acolhedor. O projeto integra o calendário oficial da Semana Municipal de Combate ao Bullying, instituída por lei em São José.
Educação emocional como política pública eficiente
Enquanto algumas políticas educacionais negligenciam a dimensão afetiva, São José aposta no contrário: ao ensinar sobre respeito, escuta e responsabilização, amplia-se a capacidade de prevenir conflitos futuros. Os encontros promovem não apenas paz momentânea, mas a formação de cidadãos mais conscientes e empáticos.
A escuta ativa desenvolve habilidades socioemocionais que nem sempre cabem nos livros didáticos. Trata-se de preparar os jovens não apenas para o mercado de trabalho, mas para a convivência em uma sociedade cada vez mais plural e conectada.
- Círculos de Construção de Paz acontecem semanalmente no CEM Santa Terezinha
- Projeto atua na prevenção do bullying por meio do diálogo e da empatia
- Inspirado em práticas restaurativas de povos indígenas do Canadá e da Nova Zelândia
- Dados do IBGE revelam que 23% dos alunos sofrem bullying no Brasil
- Nova legislação criminaliza bullying e cyberbullying desde janeiro de 2024
- Prática estimula escuta ativa, responsabilidade e cultura de paz entre estudantes